terça-feira, abril 25, 2017

A PROPÓSITO DE MORALIDADE

Estou lendo "Ética pós-moderna", de Zygmunt Bauman, intelectual polonês, considerado o mais brilhante sociólogo de nosso tempo, falecido no início de 2017. Apesar do título citar "ética", é de moral que ele mais trata. Este fato sinaliza que tais conceitos têm seus significados sobrepostos. Se você for procurar separá-los vai ficar bastante perdido. 


De minha parte, resolvi que moral tem minha natureza como alicerce - sendo esta única e individual conquanto indivíduo eu sou. Tenho regras de conduta que estão em meus genes, imutáveis, com um potencial de aprimoramento com as experiências proporcionadas pela vida e pela negociação que estabeleço com o Outro. 
É a moral que regula minhas interrelações não objetivadas, tais como entre familiares, entre amigos, entre conhecidos e desconhecidos, todos personagens obrigatórios e frequentes no meu cotidiano. O papel da moralidade é criar um campo de convívio onde prevalece o respeito pelo outro de modo a manter estável a convivência. Na moralidade cabem valorações de bem e mal, de correto e incorreto, de honestidade e desonestidade. A moral não tem código, tem valores, mas estes são subordinados a cada cultura e, portanto, impossível de serem universalizados. E o sem moral é aquele que não se importa com o outro. Muito diferente da ética.


A ética diz respeito ás regras de um grupo, uma comunidade, que tem uma tarefa em comum. A ética nada tem de genética. É uma criação dos homo sapiens. A ética é necessária para que objetivos possam ser alcançados por um grupo de indivíduos independente de suas características individuais. Um traficante deve ser tão ético no exercício de seu labor como parte, peça, de uma máquina que quer obter um ganho específico. Tal qual um gerente de compras exercendo seu papel em uma corporação, ou um médico obstetra que jurou obedecer um código de conduta, ou um advogado que é parte de um sistema de justiça agindo como defensor ou acusador em um processo criminal. Para ética não importa o meio, somente o fim. Seus pares não querem saber se você é bom ou mal, honesto ou desonesto. A única coisa que importa é que você respeite as regras. A ética tem um código e por isso é até passível de ser universalizada. E o sem ética é aquele que não realiza o que dele se espera.

Em resumo, considero que a moralidade é o conjunto de princípios acordado entre indivíduos para nos orientar quanto ao que esperar do comportamento do Outro, enquanto a ética é o código de regras de um grupo específico a ser fielmente cumprido por cada um de seus membros, independente do Outro. 

Tendo competência para sintetizar infinitamente superior à minha, Bauman formula assim: "A moral é uma questão de responsabilidade em relação ao Outro; ética é a prática de impor regras de conduta moral." Pimba!!!



Dito isto, e em função das graves discussões que hoje, amanhã e depois estaremos acompanhando, resolvi já ir deixando aqui algumas passagens do livro de Bauman (*). Os negritos são meus. Os itálicos são dele. Ei-las.



"Em nossos tempos (...) os políticos depuseram as utopias; e os idealistas de ontem tornaram-se pragmáticos.

Quando casada com individualismo autocelebrativo e livre de escrúpulos, a tolerância só se pode expressar como indiferença.

O código ético a toda prova nunca vai ser encontrado; tendo outrora chamuscado muitíssimas vezes nossos dedos, sabemos agora o que não sabíamos então ao embarcarmos nessa viagem de exploração: que uma moralidade não aporética e não ambivalente, uma ética que seja universal e "objetivamente fundamentada", constitui impossibilidade prática; talvez também um oximoron, uma contradição nos termos. (...) A maior parte das escolhas morais são feitas entre impulsos contraditórios. (...) O impulso de cuidar do Outro, quando levado ao extremo, conduz à aniquilação da autonomia do Outro, à dominação e à opressão. (...) A moralidade não é universalizável. (...) Contrariamente à opinião popular, e de certos escritores pós-modernistas, a perspectiva pós-moderna acerca de fenômenos morais não revela o relativismo da moralidade.

Os humanos são moralmente ambivalentes. (...) Nenhum código ético logicamente coerente pode "harmonizar-se" com a condição essencialmente ambivalente da moralidade. (...) Precisamos aprender que uma sociedade perfeita, assim como um ser humano perfeito, não é perspectiva viável, ao passo que tentativas de provar o contrário acabam sendo mais crueldade que humanidade e certamente menor moralidade.

Hans Jonas: "Nunca houve tanto poder ligado com tão pouca orientação para seu uso... Precisamos mais de sabedoria quando menos cremos nela."

A escala das conseqüências que nossas ações podem ter, tolhe-nos a imaginação moral que podemos possuir. (...) Nossas ferramentas éticas simplesmente não foram feitas para os poderes que atualmente possuímos.

Com o pluralismo de normas as escolhas morais surgem-nos intrínseca e irreparavelmente ambivalentes. Os nossos tempos são tempos de ambiguidade moral fortemente sentida.

A justificação para se ser moral é irritantemente individualista e autônoma - refere-se ela ao amor-próprio e ao interesse próprio - só se pode assegurar a realização do comportamento moral pela força heterônoma da Lei.

Por uma razão ou outra, a maioria das pessoas, ao escolher, não escolhem o que é moralmente bom. Assim é, paradoxalmente, a própria liberdade de julgar e escolher que necessita de força externa que leve a pessoa a fazer o bem para sua própria salvação, para seu próprio bem-estar, ou em seu próprio interesse.

A verdade é que a confusão permanecerá, o que quer que façamos ou saibamos, que as pequenas ordens ou sistemas que cinzelamos no mundo são frágeis, temporários, e tão arbitrários e no fim tão contingentes como suas alternativas."



Até terminar a leitura, voltarei aqui para reproduzir mais pensamentos de Bauman e fazer meus comentários de leigo.

(*) É relevante lembrar que Bauman elaborou estas reflexões antes de 1997 quando a obra foi publicada. Sem conhecer ainda, portanto, os efeitos da fragmentação de tudo provocada pelas tecnologias de comunicação. 

domingo, abril 16, 2017

EXPLICAÇÕES PARA O INEXPLICÁVEL

A maioria de nossos políticos tem aparecido nos noticiários como venais, corruptos e ladrões, mas todos, em uníssono, proclamam um princípio jurídico básico na ordem social: "somos todos inocentes até que o Ministério Público prove o contrário e o STF, por incapacidade estrutural (é o alegado por  seus ministros do Supremo), nos livrem de qualquer penalidade por decurso de prazo, permitindo que nos reelejamos e continuemos protegidos pelo foro privilegiado".

Três anos de operação Lava-Jato, dezenas de delações premiadas, centenas de políticos listados como beneficiários de caixa 2, mas todos, incrivelmente todos, se proclamam inocentes e alvos de empresários e executivos de grandes construtoras que, em conluio sabe-se lá como construído, combinaram contar à justiça uma mentirosa história fantasticamente coerente, com o único intuito de vingança por eles terem sido tão honestos e santos homens e mulheres no cumprimento de seus mandatos eletivos.


As provas existem (vídeos, áudios, comprovantes de depósito e remessa de valores para o exterior, percurso do dinheiro entre a conta bancária das empresas e o destino "off shore" etc.) e virão a público no correr dos processos. 

Só algumas coisas permanecem exigindo explicações para fatos inexplicáveis.

Em tese só pode existir pagamento em caixa 2 se existir recebimento em caixa 2. Uma empresa para pagar sem comprovante tem que receber sem emissão de nota fiscal. Se fossem quantias pequenas, sempre se dá um jeito com notas de gasolina, restaurante, passagens etc. Para quantias maiores, no passado, a solução era via notas frias, mas hoje, com os cruzamentos de informação, não dá mais. Mesmo se ainda fosse possível, não daria para resolver bilhões de reais. Então, como valores da monta que estamos sendo informados saíram da contabilidade das construtoras? Em que rubrica do plano de contas elas foram lançadas? Investimento para retorno futuro? Ou, na outra ponta, como estes bilhões entraram no ativo das mesmas? Antecipação de receitas para cobrir despesas futuras?

Balanços de construtoras e fundos de pensão de estatais (ficando só nestes dois) não são auditados por ninguém? Será que os programas da Receita Federal possuem um desvio para um salto na rotina de confronto de informações quando a empresa em pauta está inclusa em alguma tabela "empresas privilegiadas"?

Como bilhões de reais, repito, BILHÕES de reais, transitaram em bits pelos céus do Brasil e durante décadas a Receita Federal, com todo o seu sofisticado sistema que questiona depósitos acima de R$ 1.000,00 mas, incrivelmente, tenha tido um comportamento tão "ninguém sabe, ninguém viu" em relação às propinas pagas à nossa oligarquia dominante?

A Receita Federal tem, na minha percepção, se feito de surda e muda quanto a tudo que ecoa pelas ondas sonoras em todas as frequências. A participação da Receita Federal na força-tarefa da Lava Jato, pelo menos nas coletivas à mídia, tem sido pífia. A impressão que tenho é que seus representantes nesses eventos estão metidos numa tremenda saia justa, torcendo para que nenhum jornalista faça uma pergunta constrangedora, e doidos para se verem fora dali. Ou não é nada disso e eu é que estou vendo fantasmas.

De qualquer forma, vou continuar aguardando explicações para o que até aqui é absolutamente inexplicável.



domingo, abril 09, 2017

PARADOXO DA FRAGMENTAÇÃO

A fragmentação dos partidos políticos (35 registrados e mais em formação) (*) precisa ser substituída por um sistema político que estruture a fragmentação da manifestação popular via comunicação em rede.

Este o paradoxo da fragmentação.

A democracia representativa, ou seja, a democracia exercida por representantes de uma pretensa vontade popular, morreu. O velório será longo, doido, sofrido. Sua morte será negada por alguns por algum tempo. E, por outros, a admissão, a aceitação, também será longa.

Ouço que recente pesquisa identificou que 83% dos eleitores brasileiros não se identificam com NENHUM PARTIDO POLÍTICO.

A pós-modernidade identificada por alguns pensadores, já foi ultrapassada pela era pós-rede. A fragmentação da opinião, do pensamento, da reflexão, e da ação, é uma realidade ainda não absorvida pelas oligarquias. 

Se temos certeza absoluta de que partido político não é mais a forma de canalizar a vontade popular, não temos qualquer noção de qual seria um sistema capaz de gerenciar uma realidade que apresenta um nível de fragmentação de desejos, necessidades, anseios, que beira a impossibilidade de encontrar duas pessoas que concordem entre si, mesmo em um nível conceitual, sem descer ao detalhe.

Mas as mudanças estão ocorrendo. Canais de manifestação de opinião surgem diariamente no Youtube. As redes sociais estão abarrotadas de conflitos e, uma característica infeliz da tecnologia, até agressões e ameaças verbais. Novos partidos, com novas propostas (ainda que duvidemos delas e deles), surgem como ação de resistência ao fim do sistema. Mas, enquanto isso e paralelamente, novos instrumentos de ação política se apresentam para o cidadão.


Me arrisco a propor uma reflexão. Em uma babel de opiniões, de "verdades" individuais, de intolerância com o outro, com todas as diferenças, há lugar para a democracia? Onde ninguém concorda com ninguém, há espaço para o regime da maioria? Tem algum senso se falar em maioria? Se a maioria é tênue (vide Brexit, Trump, Equador etc.), se é frágil, podemos considerá-la "representativa", legítima? Ou, pior, se ela não for possível de ser alcançada, qual minoria prevalecerá? Neste novo mundo, não estaremos todos, em futuro próximo, implorando por alguém que nos diga o que pensar, o que fazer? Será o regime autocrático, ditatorial, a melhor alternativa para as gerações futuras?


(*) Como exemplo de fragmentação de mote:

Partido da Mulher Brasileira
Partido Novo
Partido Republicano da Ordem Social
Partido Ecológico Nacional
Partido Pátria Livre
Partido da Causa Operária
Partido Humanista da Solidariedade